Com colchões superpremium vendidos em caixas, a Zissou quer melhorar a relação das pessoas com o sono

Sócios Zissou

 

Como se deixa uma carreira em tecnologia ou na área financeira para empreender no mercado do sono? Amit Eisler, 34, Andreas Burmeister, 41, e Ilan Vasserman, 34, tiveram de explicar isso para as esposas. Era maio de 2016. Por sorte, as três apoiaram a ideia dos maridos.

 

Amit, Andreas e Ilan são os fundadores da Zissou. A startup quer redefinir a relação das pessoas com o sono apostando no tripé formado por um produto inovador, uma marca aspiracional focada na experiência do cliente e um modelo de vendas da indústria direto ao consumidor. Com três anos, a empresa tem ticket médio de 4, 5 mil reais, run rate anual de 10 milhões de reais e cresce, em média, 20% ao mês.

 

Anualmente, 24 milhões de colchões são produzidos e vendidos no Brasil, o que gera uma receita de 7 bilhões de reais para a indústria. Amit, responsável por E-Commerce & Customer Experience da Zissou, estima que 10% desse volume de produção é de mercadorias premium e explica que o mercado é muito fragmentado e regionalizado devido ao custo de frete em um país de extensão continental.

 

“Com o perdão do trocadilho, é uma indústria adormecida, que não tinha inovação nem renovação há muito tempo”, diz Amit, que aponta ainda uma baixa sofisticação do varejo e escassez de empresas de capital aberto entre os players nacionais.

 

No caso da Zissou, a inovação salta aos olhos antes mesmo de o cliente abrir a embalagem: os colchões superpremium da empresa são vendidos em caixas de papelão de apenas 1 metro de altura.

 

Colchão na caixa Zissou

 

O nome do conceito é bed in a box. Fabricados por um outsource manufacturer no Meio-Oeste dos Estados Unidos, os colchões são inicialmente montados de forma tradicional, depois selados a vácuo e comprimidos, dobrados e enrolados por uma máquina com uma chapa de 60 toneladas. Assim, encaixotados, facilitam toda a logística do frete. Em casa, uma vez desembalado, o colchão se expande sozinho, voltando ao tamanho normal e preservando as características originais (mas não pense em dobrá-lo de novo, a menos que você tenha uma chapa de 60 toneladas).

 

O tamanho da embalagem muda radicalmente o jogo de vendas, pois acelera muito o processo de entrega. A Zissou se diz uma DNVB (Digitally Native Vertical Brand), marca nascida no digital, com foco em B2C e a proposta de reduzir custo final ao desintermediar a cadeia. Na capital paulista, existe uma estrutura própria de entrega. Para as demais regiões usa-se transportadoras que pegam os produtos diretamente do estoque.

 

Há ainda o atendimento via WhatsApp, o canal digital identificado pela empresa como o preferido pelos consumidores, e uma flagship nos Jardins, batizada de Casa Zissou. É a pronta-entrega, onde o cliente pode testar os produtos em um quarto escurinho, com cama, travesseiros e assistente virtual para tocar música relaxante.

 

Andreas, head of Sales, BD & Product, comanda a estratégia de expandir a experimentação através do B2B e com parcerias que funcionam como marketplaces offline. É o caso do acordo firmado com a Breton, marca de móveis customizáveis:

 

“Costumamos dizer que só tiramos os intermediários desnecessários. Tem aqueles que te complementam. E percebemos que, no mundo de decoração, temos uma sinergia bacana”

 

Os produtos da Zissou estão no ambiente de quatro lojas Breton, em São Paulo e no Rio, mas a compra precisa ocorrer por meio do site, com um código do vendedor.

 

“Assim, reconhecemos que a venda veio do parceiro e repassamos o comissionamento”, diz Andreas. “Como o custo de aquisição do cliente é deles, a gente consegue trabalhar o mesmo preço para o consumidor final, sem queima de valor. Pagamos a comissão porque temos economia do nosso lado — e temos uma experiência de marca que combina com a nossa”.

 

UM EMPURRÃOZINHO DA COPA DO MUNDO

 

Talvez você tenha ouvido falar da Zissou durante a Copa do Mundo da Rússia, em 2018. Antes do Mundial, um grupo de nove amigos foi à flagship apresentar um projeto. “Eram torcedores que iam rodar a Rússia de motorhome e buscavam marcas para apoiá-los. Gostamos deles e prometemos dois colchões”, lembra Ilan, o responsável por Marketing & Strategy.

 

Quando o lateral-esquerdo Marcelo, da Seleção, sentiu dores nas costas durante o jogo contra a Sérvia, a culpa recaiu sobre o colchão do hotel. O grupo de torcedores ainda estava no Brasil — faltava um dia para o embarque. Daí os sócios da Zissou mudaram o acordo. “A ação acabou virando uma ‘corrente do bem’ para entregar um colchão que daria força para o Marcelo se recuperar”, completa. A história rendeu nas redes sociais da empresa e repercutiu na imprensa.

 

Na estratégia de comunicação, a Zissou tenta dispensar o tecniquês e prefere falar em sensações para ajudar o cliente a se conectar e decidir pela compra. Segundo Ilan:

 

“De acordo com nossas pesquisas, o consumidor não sabe qual a marca nem a composição do colchão que tem em casa. Por isso, a gente simplificou e faz uma venda transparente, explicando o propósito de cada matéria-prima”

 

Foram testadas quatro composições até chegarem à atual. São três camadas: uma com 4 centímetros de látex hipoalergênico, para absorver as ondas de movimento, outra de 5 centímetros com viscoelástico responsivo, que se adapta à forma do corpo, e uma terceira com 16 centímetros de espuma de poliuretano, que dá o suporte à coluna. Um colchão de solteiro custa 2.990 reais; o king sai por 5.990 reais. O cliente tem 100 dias para testar e, se se não gostar, pode devolver.

 

Não é um produto barato, mas dormir mal pode custar ainda mais caro. É o que dizem gente como Arianna Huffington, fundadora do The Huffington Post, CEO da Thrive Global e autora de “The Sleep Revolution” e “Sleep Smarter”, e Mathew Walker — o médico e cientista do sono no Google afirma que a privação do sono está ligada a inúmeras doenças fatais como a demência e que o sono é uma necessidade biológica não-negociável.

 

“Quando comparamos com outro produto de qualidade semelhante – na mesma composição não existe! –, o nosso preço no varejo é, pelo menos, duas ou três vezes mais baixo”, diz Amit.

 

A TECNOLOGIA COMO ALIADA DA QUALIDADE DO SONO

 

Ilan foi o primeiro dos sócios a se envolver com o mercado do sono. Ele havia feito carreira em fusões e aquisições em um banco de Nova York, mas nunca se sentira superrealizado. “Eu tinha aversão à frase ‘you can sleep when you’re dead’ (você pode dormir quando estiver morto)”. Começou a se encontrar quando, de volta ao Brasil, foi trabalhar em um banco de investimento focado em pequenas e médias empresas.

 

Ele se aproximou da startup americana Casper, a líder do segmento bed in a box nos EUA, tentando trazê-la para o Brasil. Para montar o plano de negócios, pediu ajuda a Amit, amigo de infância que trabalhava então na operação brasileira da Xiaomi. Junto com ele, Andreas também estava lutando para fazer a gigante chinesa decolar por aqui.

 

Crise vai, crise vem, em 2016 os americanos desistiram de vir para cá e os chineses decidiram ir embora (em maio de 2019, a Xiaomi anunciou a reentrada no mercado brasileiro e a abertura de uma loja física). “O grande alinhamento de propósito aconteceu porque eu ainda sacrificava meu sono à noite, o que me prejudicava brutalmente, enquanto Amit e Andreas faziam calls de madrugada com a China. E todos com filhos pequenos!”

 

Em maio de 2016, os três decidiram empreender juntos. Sabiam que queriam uma DNVB e um bed in a box. Todo o resto foi construído em 13 meses. Amit relembra:

 

“Demos um all in. Fizemos um investimento financeiro inicial para desenvolver o colchão e depois ficamos 18 meses sem tirar nada da empresa. Com isso contabilizamos aporte de 1 milhão de reais”

 

O primeiro grande impulso para a empresa veio de um tiro incerto. Em 2016, os fundadores queriam se aproximar do mercado hoteleiro de alto luxo e conseguiram uma reunião com o gerente do Hotel Fasano, em São Paulo. Fomos para lá com uma caixa de sensações de matérias-primas que já imaginávamos usar no produto”, diz Amit. “Fizemos um estardalhaço das oportunidades, do cross-sell. Falamos do que os hotéis americanos faziam de private label de colchão…”.

 

O time de produto gostou da energia do trio e explicou que nada entrava no hotel, sem passar pelo crivo de Rogério Fasano. “A gente tinha três colchões Zissou que já estavam na composição que imaginávamos ser a final. Fizemos a entrega para o Rogério e ele entendeu a qualidade do produto. Imediatamente, nós entramos na concorrência do Hotel Fasano Angra dos Reis”, diz Ilan.

 

No início de 2017, os fundadores captaram 2 milhões de reais de investimento-anjo. Usaram para fazer o product market fit, certificações pelo Inmetro e no exterior, para encomendar os primeiros pedidos e montar a importação para o Brasil. Em junho de 2017, ganharam a concorrência do Fasano. A primeira nota fiscal foi emitida em agosto. Os novos hotéis Fasano Salvador e BH já têm os colchões da marca (que fornece ainda para o Belmond Hotel das Cataratas, em Foz do Iguaçu). Ilan diz:

 

“Tivemos de apertar o reset porque empreender exige outra cabeça. E passamos pelo processo juntos. Além do alinhamento para a construção da marca, tivemos de tirar os vícios e recomeçar de outra maneira”

 

O break-even está previsto para o fim deste ano. Em outubro passado, a empresa lançou um travesseiro com três camadas reguláveis, ao preço de 490 reais (a fábrica brasileira já zerou o estoque duas vezes desde então). Há uma linha de lençóis em versão beta e um lançamento “surpresa” prometido para julho. Segundo os sócios, o foco do roadmap de desenvolvimento é ter um produto em cada categoria ligada ao tema.

 

Amit dá uma ideia do que o futuro reserva: “Iremos para o mundo de Internet das Coisas para o ambiente do quarto – luminosidade, temperatura. Porque tudo isso afeta a qualidade do sono.”

 

Projeto Draft - Zissou

 

Matéria escrita por Marina Audi

Para conferir a matéria original, clique aqui: Com colchões superpremium vendidos em caixas, a Zissou quer melhorar a relação das pessoas com o sono